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Foto do escritorJuliano Corrêa

O que é uma boa sessão de análise?


Como outros, este é um daqueles textos que o título é uma pergunta, mas esta não será respondida. Não deveria ter dito isso assim, logo de início, né? Pois é, tenho de trabalhar melhor o marketing...

O que me levou a escrever esta crônica foi um pensamento aleatório que me ocorreu frente a algo que já ouvi muitas vezes: a pessoa dizer, geralmente no fim da sessão, que a achou ruim (isso, quase sempre, mais no sentido de ter sido ruim para mim, por a pessoa estar se achando confusa, chata no que fala, etc. Enfim, todos nós que já nos analisamos já estivemos neste lugar); há também, em menor frequência, as vezes nas quais a pessoa verbaliza ter achado a sessão boa (o mais comum, na minha experiência, é isso ser expressado indiretamente, e acontece habitualmente por a pessoa estar se sentindo bem, pensar que está fazendo progressos, julgar ter falado coisas “importantes” na sessão, etc.). O que eu achei curioso é que, via de regra, a minha percepção é o inverso: quando a pessoa reclama da sessão ruim/chata (para mim), eu sempre penso: “nossa, eu achei tão boa!”; da mesma forma, é corriqueiro eu não achar tão produtivo tal atendimento que o analisando julgou como “bom”. Isso me intrigou: afinal, quando podemos dizer que uma sessão de análise foi boa? (Uso “sessão de análise” só para especificar que estou falando da terapêutica psicanalítica; talvez o que eu escreva possa valer para outras também? Não sei).

Eu lembrei dos meus estágios finais na faculdade de psicologia. Eu tive sorte, por um lado, de fazer os dois estágios em dois locais que eu adorava, era onde queria fazer. Eu era extremamente animado com as atividades desenvolvidas e notadamente deslumbrado (quanta coisa estava vendo pela primeira vez!). Numa ocasião, contando para uma amiga, de forma bastante emocionada, um atendimento que tinha feito, disse que havia sido muito bom, e que o paciente tinha chorado. Claramente, eu vinculei o fato de ele ter chorado com o atendimento ter sido bom, o que provocou risada em ambos, ainda que nós entendêssemos ao que se referia: ao contrário do que possa parecer, que somos sádicos que gostamos de ver o outro sofrer, a ideia era, naquela situação, que se tratava de uma pessoa com muita dificuldade na expressão de sua emoções (e em um momento em que isso seria importante), então, ter chorado era bom porque apontava para um afrouxamento saudável (visto estar em um lugar seguro, o do atendimento terapêutico) de suas defesas.

Mesmo com todas as explicações (e que são verdadeiras), não deixa de ser curioso esse parâmetro, ainda que sempre individual e do contexto, para afirmar uma sessão como boa. Eu me pergunto: o que é um atendimento bom para mim? Há algumas coisas que sempre avalio, e nenhuma delas tem relação com a pessoa que atendo estar “bem” ou falar coisas “interessantes”, ou mesmo “falar bastante”. Isso não tem nada a ver. Geralmente, eu penso em como senti a pessoa, se ela estava à vontade para expressar seja lá o que quisesse, se pôde fazer, como Winnicott dizia, uso de mim. Mas, primordialmente, eu penso sobre mim mesmo para ver uma sessão como boa ou ruim. Eu estive realmente presente? Pude escutar de fato o que me era dito? Consegui chegar a um nível (que eu chamo de twilight, ainda escreverei sobre) de verdadeira conexão com quem está ali comigo? Pois tudo em uma análise vai decorrer disso.

Eu aprendi, de certa forma, isso: claro que pensamos na “evolução” de quem atendemos, mas essencialmente eu acho que é mais importante analisarmos a nós mesmos, analistas, após a sessão. A psicanálise oferece várias “armadilhas” (Freud mesmo as expôs) para jogarmos para o analisando qualquer motivo de um tratamento fracassado; não é assim que funciona (ou deveria...).

Eu realmente acredito nesse tipo de pressuposto psicanalítico que faz com que a avaliação de uma sessão “boa” ou “ruim” seja altamente subjetiva. Afinal, “análise é coisa dois”, os ganhos do analisando se dão sobretudo pela relação estabelecida e desenvolvida com o analista (e veja que eu nem estou entrando em toda a questão do inconsciente, que também é central!). Os modelos da psicanálise são muito particulares. Sempre que eu dava um exemplo em sala de aula, dizia: “vejam bem, isso é apenas para nós pensarmos sobre, não é para copiar! Isso foi com determinada pessoa e em determinada situação! Eu agi diferente com a mesma pessoa em outro contexto”. Eu continuo concordando com isso: os eventos de uma análise são únicos, irreptíveis (pela questão relacional e do inconsciente), isto é uma das essências da nossa prática, não pode ser perdida, ou a própria razão de ser da psicanálise talvez seria abandonada. Apesar disso, eu creio haver ainda algo de suma importância a ser discutido. Não será aqui, obviamente, é um assunto por demais complexo.

É só que, repetindo a inquietação de Ferenczi há mais de 100 anos, como já citei em um texto psicanalítico:[1] nós não temos preocupação com os destinos dos nossos tratamentos? Eu estou falando aqui sobre uma sessão ser boa ou ruim, e isso é totalmente subjetivo, não temos absolutamente nenhum parâmetro minimamente objetivo. Eu vou além: como sabemos que uma análise, como um todo, deu “certo”? Eu conheço os “protocolos” para uma “alta”, mas tudo está envolvido no que já escrevi aqui: subjetividade, pessoalidade, o encontro da relação. E isso tudo é sim basilar para a psicanálise. Mas nós não deveríamos ter uma preocupação maior com o resultado dos nossos tratamentos?

Será que isso pode ter a ver com certas “concepções” de psicanálise? Quero dizer: muitas pessoas acham que a psicanálise é um tipo de filosofia (existem muitos “psicanalistas” que estudam mais filósofos do que autores do nosso campo, muitas vezes mal os conhecem!), um tipo de “arte terapêutica”, por aí vai. Eu acho tudo isso um absurdo e uma baboseira. Que tenha os usos que pode ter (e tem!), a psicanálise é uma prática clínica, focada em lidar com o sofrimento psíquico (para os que leem mais filósofos, deem uma lidinha em Freud, lá no início da psicanálise: ele mesmo já deixa isso bem claro). O que estou escrevendo agora é polêmico, mas não deveria ser! É por isso que as críticas externas à psicanálise (algumas são tremendas besteiras, mas outras fazem sentido sim! Como as clássicas de Karl Popper, tão atacadas que parecem não terem sido lidas) são recebidas com tanto melindre: ficamos putinhos e só reagimos, dizendo que tal pessoa não conhece a psicanálise, enclausurando-nos no nosso mundinho que vai sendo ultrapassado pelo tempo. Por que não absorvemos as críticas que são justas e pensamos sobre como podemos aperfeiçoar nossa prática clínica para a atualidade e, assim, começar a ter mais noção de suas consequências?

Então, se pensarmos assim (sei que a maioria não pensa assim!), a gente não deveria ter um mínimo de abertura para considerar metodologias auxiliares para avaliar a eficácia do tratamento que oferecemos (e cobramos tão caro por ele)? Não é esse o objetivo? Você (psicanalista) tem certeza do sucesso dos tratamentos que ofereceu? Ou serve apenas para apresentar e se sentir importante para os seus iguais? Porque nós não temos respostas para isso na verdade.

“Então, Juliano, qual é a solução?”. Ora, é claro que eu não a tenho; se tivesse, já começaria por aí! Mas a atenção para este tópico já é um começo (que eu penso basicamente não existir ainda). A natureza (e poderíamos discutir esta tal natureza também) do nosso campo impõe dificuldades gigantescas para este tipo de verificação. Não podemos simplesmente importar modelos de outras áreas. Ainda assim, podemos nos inspirar e, a partir daí, criar mecanismo adequados para a nossa psicanálise. O trabalho de Otto Kernberg e os outros que ele cita é uma tentativa. É a resposta? Está isento de erros ou complicações? Não, longe disso, mas é uma iniciativa. Isso só pode ocorrer se pensarmos que este é, de fato, um problema da maior importância para nós. Ou a gente pode continuar fantasiando análises atendendo psicanalistas em formação (que querem justamente estar nesse lugar de atender outros candidatos, famoso esquema de pirâmide) que são pacientes efetivamente (e falo por mim também!): geralmente extremamente dóceis, aceitando qualquer coisa, mesmo que não faça mais nenhum sentido (afinal, dependem disso para conseguir este lugar, né!). Não pode existir psicanálise descolada da realidade.


Agosto, 2023.






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