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Foto do escritorJuliano Corrêa

As reuniões


Eu publiquei uma crônica sobre a minha ida ao show do The Police em 2007.[1] Ali, eu contei todo o meu desespero para ir (e pavor pelo risco de não conseguir), por ter pensado que nunca mais teria esta oportunidade: eu meio que “sabia” que a chance seria única, que eles nunca mais se reuniriam novamente para uma turnê (estou certo até agora, e o tempo está a meu favor nisso!). É só conhecer a história da banda para saber disso, não é nenhuma grande percepção. Ainda que tenham se reunido, o Police se diferencia um pouco da onda de reuniões que vemos já há anos no rock (e em outros gêneros também, só vou falar do que tenho mais intimidade). Pergunto-me duas coisas. A primeira é: será que é uma onda mesmo?

Eu acho que não. Ok, é sim, vou me explicar. É que o rock, historicamente falando, é algo novo, vem da década de 1950 mais ou menos, dependendo do que se considere, suas raízes ou o estilo já consolidado. É a primeira vez que isso está acontecendo, porque é, mesmo que de gerações diferentes, a primeira leva do rock que envelheceu (e já morreram muitos também), que bandas se separaram, etc. Então, claro, é sim uma onda. A minha pergunta é se isso continuará se repetindo, ou seja, se daqui 50 anos teremos reuniões/voltas de artistas de hoje. Será que a nostalgia é exclusiva dessa leva de fãs também? Não sabemos (eu, com certeza, não estarei aqui para saber!). “Mas, Juliano, por qual razão não haveria reuniões?”. Sim, é uma ótima interpelação, principalmente por levar ao meu segundo questionamento: por que queremos tanto, gostamos tanto das reuniões?

Falo (como sempre aqui) por mim mesmo. A vida inteira eu reclamei dos Smiths não se reunirem: estavam todos aí, vivos e em forma (não é mais verdade hoje: Andy Rourke morreu recentemente, e a boa forma, ao menos de Morrissey pelo que tenho visto, já não está tão boa assim), deem ao povo o que ele quer! Uma reportagem que vi há algum tempo, abordando um monte de coisas que eu não sabia, fez-me refletir. Logo após o rompimento da banda, no fim dos anos 1980, o finado baixista citado acima e o baterista, Mike Joyce, entraram na justiça contra os outros membros e compositores do grupo, Morrissey e o sensacional guitarrista Johnny Marr; queriam a divisão equalitária dos direitos das músicas (como os dois últimos eram os autores, tinham uma fatia bem maior). O processo se estendeu por mais de uma década, com idas e vindas, extremamente desgastante. Após uma das últimas audiências, Morrissey disse que continuava tudo igual: Mike e Andy fracassados sem conseguir conquistar nada por si, e Marr tentando agradar todo mundo e não agradando ninguém. Clima bom né! Não para por aí. No mesmo programa, Morrissey também diz que não queria terminar a banda quando aconteceu, achava que deveriam continuar, a decisão foi unilateral de Johnny Marr. Aí ele questiona o motivo de ele ser o vilão por hoje não querer reunir os Smiths só porque todos querem. E completa: “eu preferiria comer os meus próprios testículos do que voltar com a banda. E veja que eu sou vegetariano!”.

Isso tudo fez eu não só deixar de ter um pouco de raiva dele (a gente fica passional nesses assuntos...), mas também perceber o quanto inadequado seria uma volta, mesmo para a minha grande decepção. Da minha parte, o desejo pelas reuniões passa muito por não ter tido a oportunidade de ver meus artistas preferidos. Hoje, eu estou bem satisfeito, pois pude ver mais do que imaginava. E se os Smiths se reunissem, teriam de vir na cidade onde eu estivesse morando: não tenho mais a energia para fazer coisas como viajar 18 horas de ônibus de Porto Alegre para São Paulo (a volta é que é o pior!) para ver Jimmy Page e Robert Plant. Valeu super a pena, eu quase desmaiei no fim do show (pela emoção, ok, mas também porque estava difícil de respirar na pista super lotada). É que não existe mais ninguém que eu não tenha visto, e que seja possível a reunião, que eu queira tanto assim, e vontades antigas já passaram (foi bem triste quando me dei conta disso...).

Então, por que gostarmos/queremos tanto as reuniões de nossos artistas preferidos? Junto disso, vem outra pergunta também importante: ver hoje a reunião daquela banda que não pude ver 30 anos atrás, é a mesma coisa? Preenche algo que eu não tive? Justamente, eu lembro da reunião do Police. Ela parecia ter mais motivos que outras: a banda nunca terminou “oficialmente”, só desapareceu, não houve despedida. Andy Summers, o guitarrista, disse da sensação de que deviam aos fãs um tipo de “fechamento” e agradecimento. Sting, por outro lado, falou sobre a necessidade de lidar/encerrar com uma parte de sua vida que ele colocou de lado. Tanto que, como destaquei no início, a turnê de reunião foi pontual (e com os três em ótima forma!), nunca houve nenhuma perspectiva de qualquer prosseguimento, diferentemente de outros artistas que fazem “reencontros periódicos” e/ou várias turnês de “despedida”. Além disso, o mesmo Sting deu uma declaração interessantíssima sobre a volta da banda que me faz pensar: “é impressionante como as pessoas estão felizes, é como se papai e mamãe tivessem reatado”.

Isso é significativo, pois vai além do que eu disse de “ter a primeira oportunidade de ver algo que se goste”. Joga luz sobre algo mais infantil, mas no sentido de retrocesso mesmo. Estou falando de uma perspectiva mais nostálgica, como já afirmei em outra crônica (e que tem o Sting nela também!),[2] ou seja: querer que as coisas continuem/voltem a ser como eram. Nostalgia. Como em uma das belas cenas de “T2 Trainspotting”, justamente um filme que tem base na memória afetiva (a minha, muito!), quando Sick Boy diz para Mark: “você é um turista na sua própria juventude”. Não que tenha algo de errado de ainda curtirmos coisas antigas (se houvesse, eu mesmo estaria completamente ferrado!), mas talvez a questão seja como isso acontece. Pode ser a tentativa de voltar ao passado, o que vem junto com a não aceitação de coisas novas; isso é desastroso (como foi literalmente numa tentativa de reviver Woodstock, como abordei em outra crônica[3]). E triste.

Sem nenhuma surpresa, John Lennon ajuda nessa discussão. Sobre o fim dos Beatles, ele disse: “as pessoas ficam falando como se fosse o fim do mundo! É só uma banda que terminou, não é nada importante. Além disso, os discos estão todos aí se você quiser se lembrar”. A vida segue mesmo. Sua trajetória deixa isso bem claro (como teria sido o mundo se sua vida não tivesse sido interrompida quando ele tinha 40 anos de idade, né?). São pessoas, as que destaquei até aqui, que não estão interessadas em reuniões que levam para a nostalgia, a revivescência do passado. Talvez por elas terem a consciência da impossibilidade de voltar no tempo desta maneira, o que é, no fim das contas, permanecer lá.

Algumas experiências, frustrantes, mostram-nos isso, como ver Axl Rose quase morrendo tentando performar como há 30 anos (tal qual falei na 2ª crônica que relembrei aqui). Phil Collins tem um lugar especial no meu coração. Não só por ser o estupendo baterista da clássica formação do Genesis, minha preferida, mas mais ainda pelas músicas que compôs e cantou, tanto em sua carreira solo como na função de vocalista da mesma banda após a saída de Peter Gabriel, que embalaram boa parte da minha adolescência. Então, quando tive a oportunidade, claro que eu tinha de assistir ao seu show. Tirando a parte de ver ao vivo o artista tão importante para mim, aquilo foi a prova de que não adianta lutar contra a passagem do tempo, para que as coisas permaneçam. Sua voz estava bem deteriorada, o que é normal: não se pode querer que a qualidade e o alcance da voz continuem a mesma tantos anos depois (Axl Rose que o diga!); porém, havia mais. Ele fazia o show inteiro sentado (entrou caminhando apoiado por uma bengala), pois seu grave problema na coluna o impedia de ficar em pé (tocar bateria então, que sempre foi grande atração, nem pensar). Era até constrangedor (em um momento, eu e dois amigos que nos encontramos lá, ficamos mais bebendo e conversando do que prestando atenção no show – estávamos bem no fundo da pista, e estava meio vazia também para um concerto desta magnitude –, da minha parte, era mais angustiante mesmo ficar assistindo). Eu me perguntava: por que isso?

Eu sei que essas pessoas (os artistas) têm seus motivos particulares, não os questiono. Mas para o que nos interessa aqui, podemos pensar nas tais “reuniões” não apenas de bandas (eu que trouxe isso pelo meu interesse pessoal), mas qualquer uma que tenha este objetivo de retroação. Encontrar-se com seus colegas da faculdade ou do colégio, é legal? Depende, né (pode-se odiar esses colegas). Isso está em nome de um reencontro com pessoas que você gosta e não vê há tempos, ou é uma tentativa de estar na faculdade/colégio novamente? Entende a diferença? Por isso, como já apontei em tantos outros textos aqui no site (talvez “O lugar que se amou” seja o mais exemplar[4]), o ponto é a maneira que é feito, não se trata do evento em si (como muito bem atesta a foto que ilustra esta crônica!). Eu acredito genuinamente que vale muito mais manter as lembranças boas (que sempre são ou podem ser visitadas) do que as estragar tentando viver novamente algo que não mais existe. Como, há muitos anos, cantou Peter Gabriel, com Phil Collins fazendo sua bateria chorar: “as areias do tempo foram desgastadas por um rio de constante mudança”. É sobre isso. Busca-se o tempo, mas o tempo não está mais lá.

Não é fácil largar do passado, mas nem é este o caso! O passado permanece sim conosco, mas aqui: não dá para voltar e/ou reviver. Querer isso faz com que não possamos vislumbrar o futuro (que também já está aqui), e é isso que é catastrófico. Eu mesmo, com o tempo, mudei: já não tenho, como já tive (eu era jovem demais...), assaltos contra coisas novas (musicais), desmerecendo-as, porque só o Led Zeppelin (que nem é do meu tempo!) valia a pena. Reconheço e aceito os talentos atuais de boas, mesmo os que não façam parte do meu gosto pessoal.

Eu tive a especial oportunidade de ver o Police ao vivo, foi o show da minha vida, como já escrevi sobre. Nem por isso eu coloquei quadros da banda novamente no meu quarto como quando eu tinha 14 anos. Passou. Fazemos reuniões o tempo todo em nossas memórias, mas nunca é igual ao que foi, é uma nova união. Nem aí, muito menos ainda na realidade concreta, são as mesmas que já vivenciamos. A questão é, então, o que queremos nas tantas reuniões que temos ou que são possíveis.

 

 

Agosto/Setembro, 2023.




PS: faz-se muito necessária uma explicação (segunda vez que faço!) da foto que ilustra esta crônica. Primeiro, e talvez mais importante de tudo, é de um momento feliz. Imensamente e emocionantemente feliz. Uma reunião com as pessoas que fizeram o meu Rio de Janeiro, e em um lugar (dentre tantos!) especial para nós. Pessoas com as quais vivenciei tantas coisas e, por isso mesmo, estão guardadas em lugar especial no meu coração. Tati e Marcel, muitas histórias.

A reunião foi especial não só pelo fato do reencontro, mas de como ele aconteceu (muito por causa de Marcel): não fomos tentar reviver o “nosso” Rio de Janeiro como fazíamos antes da pandemia; fizemos algo novo, com os queridos e amados filhos deles (Gael e Maya – esta que, de tão especial que é, nomeou sem saber o epílogo da minha tese de doutorado) brincando juntos. É uma reunião “pelos motivos certos”. O que vivemos juntos passou, não tentamos reconstruir isso (como algumas bandas tentam!). O que se manteve foi o amor entre nós. E, como teorizo, o amor é o que pode atravessar o tempo; mantem-se mesmo se modificando.

Agradecimentos para estes dois não seriam suficientes pelo que fizeram por mim.




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