As continuações...
- Juliano Corrêa
- 4 de abr.
- 7 min de leitura

Quando eu assisti ao filme Um Lugar Silencioso – parte II, animei para escrever esta crônica. Eu não gostei. Ainda que não tenha achado o filme ruim! Não, eu achei um ótimo filme. Como, então, que eu não gostei?
É que, como toda a sequência, eu fui com a expectativa criada pelo primeiro filme, que é magnífico porque é uma experiência diferente, inovadora. Seu sucessor é um excelente filme de ação e suspense, mas comum, com clichês, coisas que já vimos. Justamente eu não gostei do segundo, porque vi o primeiro! Se eu tivesse assistido só ao segundo, talvez tivesse ficado feliz com um filme muito bom. Eu lembro quando vi o original no cinema, fui já bem depois da estreia, então a sala estava meio vazia. Nossa, eu colocava a pipoca na boca (porque se for para ver filme sem pipoca eu prefiro nem ver!) e ficava muito tempo para poder mastigar: qualquer barulho atrapalharia aquele silêncio aterrador. Ou seja, é extremamente complicado um filme tão arrojado ter uma continuação. O que se vai fazer? Fazer um tão inédito quanto? Boa! Mas haja talento e imaginação para isso né! É muito difícil. Eu não lembro de ter visto (só em vídeo game, ainda vou escrever sobre isso...).
É parecido com um escritor ou músico que compõe algo extraordinário: como dar sequência? Como Michael Jackson poderia fazer algo melhor ou mesmo comparável a Thriller? Não é algo que aparece todos os dias, é muito raro. Eu escrevi um pouco em outra crônica[1] sobre as grandes dificuldades que o Pink Floyd teve para criar a sequência para o fenômeno The Dark Side of the Moon. No caso deles, mas isso é uma exceção: eles fizeram, na minha opinião, algo até melhor... Sobre filmes, meu foco aqui, há vários tipos de continuações.
Existem as de grandes franquias, como Star Wars, Jurassic Park, 007, coisas do tipo, ou até mesmo Rocky, que tem o primeiro filme como diferencial: é muito bom! Nestas, uns filmes são melhores que os outros, outros são mais do mesmo, enfim, faz parte: é uma sequência como que ao infinito. Outras, são programadas para contar uma história com uma continuação já previamente estabelecida (por vezes, sendo até filmada simultaneamente). Um dos maiores exemplos é a trilogia de O Senhor dos Anéis. Mais recentemente, a história imaginada por Zac Snyder para a Liga da Justiça, que foi tristemente abortada (mas isso talvez mereça outra crônica, pois pega muito meus sonhos de infância), era uma ideia de um arco de uma saga, como foram aquele monte de filmes dos Vingadores. O Superman eterno de Christopher Reeve também: os dois clássicos primeiros filmes foram feitos ao mesmo tempo.
Agora, têm as sequências que não foram planejadas, aconteceram depois do sucesso do primeiro filme (quer dizer, por dinheiro). Provavelmente o melhor exemplo de um caso desses, pois muitíssimo bem-sucedido, é a trilogia de O Poderoso Chefão, o hors concours dos filmes de máfia. Segundo o próprio Francis Ford Coppola, diretor, roteirista e produtor (menos do primeiro) dos filmes, ele fez a parte II por causa do dinheiro, ou seja, não havia realmente um plano inicial de fazer a trilogia, que culminou com a terceira parte 18 anos depois do primeiro filme (isso também merece um espaço especial, ainda que eu já a tenha abordado um pouco[2]). São três filmes estupendos, os dois primeiros se destacando do terceiro, claro, ainda que este seja muito bom também; e o segundo é tão bom quanto o primeiro, o que não é tão comum. Mas, e novo, é algo esporádico. Clássicos como A Profecia ou O Exorcista, ou ainda Tubarão, naufragaram em suas continuações, quando os primeiros filmes são sublimes e revolucionários. Eu quase borrei minhas calças vendo A Bruxa de Blair, era uma coisa diferente do que estávamos acostumados; achei os outros engraçadinhos.
Você entende o que eu estou querendo dizer, né? Eu acho que filmes que são tão originais, tão inovadores, não deveriam ter continuações ou, pelo menos, elas são muito perigosas, com uma enorme possibilidade de darem errado. São filmes únicos. A Bruxa, de 2015, é sensacional! Tipo de filme que, para mim, dá medo mesmo: não tem quase nenhum susto, mas tem aquela atmosfera agoniante (como Hereditário ou o clássico O bebê de Rosemary). Qual seria a sequência? Dar continuidade para a história da pobre menina seduzida pelo Bode ou fazer um tipo de paralelo, ou seja, outra história de sedução pelo sem-assunto com outra família e, talvez, em outra época? Qualquer uma dessas alternativas resultariam em filmes, ainda que pudessem ser ótimos, comuns.
O maior exemplo, para mim, é Trainspotting, talvez meu filme preferido (mas porque pega uma questão emocional, descreve a minha geração, remete ao tempo mais feliz da minha vida, etc. – também merece crônica própria). Quando foi lançado, em 1996, foi completamente ousado, trazendo para a tela de cinema o ritmo dos clipes musicais, da internet que começava a fazer parte das nossas vidas, toda uma linguagem nova. Como dar continuidade a isso? Se uma parte 2 tivesse sido feita, digamos, em 1998, não haveria novidade possível (salvo alguém de exceção com uma estupenda imaginação). Então, seria mais do mesmo (que já não seria novidade alguma), ou um prosseguimento da história daqueles personagens, o que daria num filme trivial (mesmo que fosse bom), diferentemente daquele que nos arrebatou. A continuação que acabou acontecendo, 20 anos depois, não tentou fazer algo diferente, respeitou a passagem do tempo, e pegou gente como eu pelo tom belamente afetivo.
Eu me incomodo sim, muitas vezes, com as continuações. Quando assisti ao Exterminador do Futuro: destino sombrio, fiquei pessoalmente ofendido. Porra, um filme (o primeiro) que marcou minha adolescência (e que, vamos combinar, é um espetáculo!). Eu ficava pensando: tinha de ter alguma lei que proibisse personagens tão icônicos como Sarah Connor (e o próprio exterminador!) de terem esse destino (que foi sombrio mesmo!). Cada vez que eu vejo postagens de pessoas querendo uma continuação para Interestelar, tenho um arrepio na alma. Há filmes que foram feitos para serem únicos (o Coringa está aí para provar...).
Assim, a minha pergunta é: por que tantas continuações desastrosas? É por dinheiro, ok, mas dá dinheiro porque as pessoas (nós) querem! E por que queremos? Bom, aí fica um pouquinho mais complexo, e são várias questões.
Eu lembro de Freud dizendo que a coisa mais difícil para uma pessoa é abrir mão de uma satisfação que já teve. Eu acho isso muito verdade. Aí, o que fazemos? Tentamos de novo esse prazer. Ter o mesmo prazer, dá sempre errado, 100% das vezes. Simplesmente porque repetição como reimpressão, reedição (a famosa, na psicanálise, “repetição do mesmo”), nas palavras do próprio Freud no caso clínico de Dora, não existe. Podemos fazer de novo, mas sempre diferente, e pode ser muito bom, até melhor, a questão não é essa.
Não faz muito tempo, eu escrevi uma crônica[3] (que também fala das voltas e reencontros...) na qual citei uma entrevista do Sting quando da volta do The Police (sobre a qual eu também escrevi da minha experiência de ver ao vivo[4]), que ele falava estar impressionado com a felicidade das pessoas com a reunião a banda: “é como se papai e mamãe tivessem reatado”. Isso diz respeito a um impulso retrógrado, de voltar ao mesmo, ao que já se teve. É querer reviver tempos que pensamos áureos, que talvez nem o tenham sido tanto, mas a lembrança, às vezes, faz o passado ficar delicioso mesmo que não tenha sido exatamente assim. É um impulso afetivo muito forte.
É uma característica infantil que pode ter duas facetas (e, lembrando: estamos falando de uma característica infantil em um adulto). A primeira, é essa que estamos falando, querer ouvir/ver a mesma história repetidamente (é muito comum nas crianças de certa idade). Porém, também há o desejo, de fato, pela continuidade de uma história, como Sherazade, que “enfeitiçou” o rei Xariar por 1001 noites interrompendo a história que contava (para não ser morta!) ao amanhecer para continuar na noite seguinte. É irresistível: a curiosidade talvez seja um impulso ainda mais poderoso.
Então, são dois caminhos diferentes, mas que podem levar ao mesmo destino. Ainda que a continuidade da história vise algo além, para o futuro e, dessa forma diverso, parece ter o grande risco de cair em uma continuação opaca e sem sentido, que aparenta acabar se assemelhando muito mais a algo nostálgico que quer manter as mesmas coisas acontecendo infinitamente. Eu voltei para a ideia desta crônica depois de tempos por causa de outro escrito recente.[5]Ali, eu comentei sobre a dificuldade, por várias nuanças, do fim da história, como o próprio título entrega. Também disse que, paradoxalmente, haveria continuação (e de uma crônica “anterior”!). Mas é disso que se trata: desejar o fim, que muitas vezes desejamos mesmo, significa não ter continuação; contudo, parece haver um arroubo, plenamente compreensível, pela continuidade, mas essa que não avança no tempo, e sim retrocede. Manter-se ou voltar a um mesmo cenário é, por muitas vezes, reconfortante, já que conhecido e familiar: protege (se é que é uma proteção...) contra a aleatoriedade do desconhecido. Terminar uma história, por melhor que ela possa ter sido, é a condição para termos novas histórias. É importante se ter novas histórias.
Uma vez, em um trabalho quando eu estava no meio da faculdade, entrevistei uma pessoa muito inteligente e espirituosa que me contou de um relacionamento amoroso que havia terminado quando estava bom. Fiquei intrigado. Respondeu-me: “sim, estava bom, mas a gente percebeu que estava estagnado, não iria mais evoluir. Por quê deixar ir para o esgoto para terminar?”. Lembro disso até hoje. Acho que podemos concordar que não quer dizer que o desejo por continuidade ou sua própria efetivação seja algo ruim, bem pelo contrário! Afinal, assim fosse, não teríamos relacionamentos duradouros! A questão é, então, como se almeja e se constrói a tal da continuidade. É para fazer a mesma coisa, ou é criativa fazendo com que seja viva realmente e, por consequência, sempre nova?
Levar para o esgoto, como o tipo de continuações desastrosas, inadequadas ou desnecessárias, não é estragar algo bom que se teve, estragar uma lembrança que pode vir a ser boa? E isso pelo desejo disparatado de a ter de volta completamente fora do tempo? Já falamos sobre essa volta irreal...[6] Tem a ver com uma questão básica da temporalidade, que a entropia nos ensina: não se pode voltar. A verdadeira continuação é, independentemente desses desejos (pelas histórias passadas), seguir... adiante, né! Porque seguir para trás não é impossível só por causa do pleonasmo na norma culta da língua.
Agosto, 2023... – Março, 2025.